sábado, 6 de março de 2010


Como tudo começou
Eu tinha pouco mais de cinco anos de idade quando meu pai, militar de carreira, foi passar um ano cursando nos Estados Unidos. Depois de alguns meses, não me lembro quantos, minha mãe, minha irmãzinha e eu nos juntamos a ele ele, para ficarmos por lá até o final do curso.
Acho que foi mais ou menos por aí, que comecei a sonhar com uma pantera negra. Hoje sei que seu nome é Lillith, mas naquele tempo eu só pensva em como era legal ter meu próprio bichinho de estimação, mesmo que fosse só em sonhos. Ela cresceu junto comigo, acompanhando todas as minhas tranformações, era meu porto seguro, quando a vida de filha de "milico", era dura de aguentar.
Se bem me lembro, aos nove anos, quando fiquei menstruada pela primeira vez, tive o primeiro sonho com uma mulher ruiva, muito bonita.
Lillith a acompanhava, e eu não tive medo, pois já tinha provas de que estaria segura de qualquer jeito se a pantera estivesse por perto. Esta mulher sentava-se ao nosso lado e falava sempre sorrindo e parecia compreender o fato, de que eu não entendia uma só palavra do que ela dizia. Insistentemente, duas ou tres vezes por semana, ela aparecia e nessas ocasiões, eu brincava com Lillith, sob seu olhar atento e sorridente. Continuava a fazer seus comentários sobre sei lá o que, mas eu achava tranquilizante a sua companhia, mesmo não sabendo o que ela vinha fazer nos meus sonhos.
Conforme fui crescendo, estudei em quatro escolas diferentes e, mesmo fazendo amigos e tendo a mulher e a pantera nos meus sonhos, achava que estava faltando alguma coisa na minha vida. Minha família é o tipo mais comum de católico, não vai à missa, bebe, fuma, e não segue nenhum dogma da igreja, a não ser os batizados, casamentos e funerais. Então quando cheguei ao segundo grau, numa escola de Cabo Frio onde haviam freiras que davam aula de religião, achei que tinha que ser isso. Como eu podia ter vivido tanto tempo "sem Deus no coração"? Entrei até para o grupo jovem, aprendi violão para tocar nas missas, enfim, estava extasiada.
Só que em meio a tudo isso, sendo geminiana e adorando ler, começaram a surgir os questionamentos de fé. Deixei o grupo de Cabo frio e entrei no da minha cidade,São Pedro da Aldeia, lugar onde moro desde os nove anos. Passei a frequentar as missas com outro padre, para tentar encontrar respostas para as perguntas que não queriam calar. De onde viera a tal mulher de Caim, se só tinha tres pessoas no mundo? (Abel tinha sido morto, né?) E isso é só um exemplo!!!
Neste grupo jovem, encontrei o homem gentil e generoso, que hoje é meu marido. Quando me afastei do catolicismo, ele me seguiu, ,simplesmente porque já tinha começado a se questionar tambem. Digo brincando, que foi a única coisa decente que eu tirei dessa experiência...
Ah, não parei de sonhar com minhas amigas nesta época, mas todos diziam que era só maluquice da minha cabeça, somente sonhos sem significado ou sentido.
Assim passaram-se mais de quinze anos, sem que, mesmo frequentando outras denominações cristãs que não o catolicismo, eu tivesse encontrado as tais respostas que buscava. Estudei com testemunhas de jeova, fui à cultos batistas, pentecostais,presbiterianos, e por aí vai... Até que cheguei a uma conclusão óbvia: meu problema era com o livro texto, base de todas essas religiões, a biblia. Não conseguia aceitar tantas contradições. Não Matarás, exceto, feitceiras, adúlteros, e pecadores, do ponto de vista de quem estivesse mandando na época.O que é isso? Dois pesos, duas medidas? Fora o fato de que, no mesmo livro, o Deus parecer ser duas personalidades diferentes. No velho testamento, guerra, e no novo ele é só bondade, mandando o filho para morte, para salvar as pessoas.
Acho que por aí, já dá para ter uma idéia de como fiquei me sentindo. Não deixei de sentir falta de Algo maior na minha vida, só não dava para ser esse Deus do judaísmo e do cristianismo.
Qual a saída? Comecei a estudar e ler sobre outras formas de religião em todos os livros em que podia pôr as mãos e, ainda assim, não achei nenhuma que suprisse a falta desse Algo, então desisti.
Montei uma loja de aluguel de livros, enchi de enfeites que diziam nesta época, o que eu sempre fui. Bruxas, fadas, odaliscas, cristais e incensos, não deviam deixar nenhuma dúvida, certo? Errado. Eu nunca me achei uma Bruxa, apesar de ouvir isso de muitas pessoas ao longo da minha vida. Essas, perguntavam se eu jogava Tarot, Runas, e diziam que era a minha cara esse tipo de coisa. Sempre ri e não levei a sério até, bem depois da loja ter fechado, começarem a acontecer coisas muito estranhas comigo. Fora, é claro, os sonhos, que sempre achei coisa normal, por mais estranho que pareça.
No começo pareciam coincidências normais( Apesar do James Bond dizer que isso não existe, e eu acreditar...rsrsrs), programas sobre bruxas ou feitceiras se espalhavam pelos canais de assinatura, conheci pessoas na rua, com algum dom de vidência que me tratavam super bem, sem motivo algum. Enfim, tudo parecia estar mudando de alguma forma que eu simplesmente, não conseguia ver. E os sonhos mudaram. A Ruiva parecia ficar cada vez mais interessada em que eu a entendesse. Falava calma e pausadamente, mas com firmeza. Lillith foi ficando mais sensível e irritadiça, e já não se contentava em só escutar. Queria me puxar e ficava me levando a lugares de sonho que eu não conhecia.
Tudo isso começou logo depois do meu aniversário de trinta e cinco anos. Os únicos que sabiam sobre o que estava acontecendo comigo, eram minha irmã caçula e meu marido. As coisas foram ficando cada vez mais estranhas( e eu já pensava "tô ficando pirada!!"), até que um dia , soube que iria acontecer um evento esotérico em minha cidade. Só isso já era um acontecimento estranho, visto que o padre daqui fazia campanha contra este tipo de coisa, e o tal evento seria num prédio ao lado da igreja.
Conversando com minha irmã, resolvi que se tivesse que saber alguma coisa teria que ir. Chega a ser ridículo, mas eu queria parecer o mais normal possível, então vesti uma calça jeans velha, camiseta, tênis e um casacão, e fui, com a cara e a coragem, ver se descobria qual era a mensagem sobre o que acontecia comigo.
Depois de algum tempo na fila, a organizadora do evento disse que eu devia entrar na sala e escolher com quem eu queria jogar, para adiantar o andamento da fila. A sala tinha sido dividida em cinco espaços, e em cada um havia uma pessoa com um tipo de oráculo diferente. No último espaço, havia uma mulher loura e exótica, que levantou a cabeça e sorriu. Assim estava encerrado o joguinho de gato e rato. Eu iria, pela primeira vez, me abrir para realmente ouvir fosse o que fosse, que eu tivesse que ouvir.
Assim, voltei ao meu lugar na fila e esperei a minha vez. Depois de mais ou menos duas horas, a mulher loura apareceu na porta, após ter terminado de jogar para um senhor e, sendo a minha vez , eu já ia entrando quando ela ficou na minha frente e disse sorrindo: "Voce tem certeza que quer entrar? Porque tudo o que tenho para voce, é a verdade que voce já sabe mas não quer aceitar...". Fiquei chocada! Quem era essa pessoa que nunca me vira, para achar que sabia alguma coisa sobre mim? Disse que sim, iria entrar, e ela ficou de brincadeira na porta, tipo vai não vai, com o pé no degrau, insistindo na mesma pergunta. Eu disse que estava pronta para saber e ela abriu passagem rindo muito.
Ela era quiromante, com um alto nível de clarividência, porque, geminiana com ascendente em capricórnio( estuda demais e acredita de menos), eu não entrei querendo acreditar que seria tão claramente esmiuçada. Tudo o que ela disse sobre minha vida era verdade, até os segredos guardados mais profundamente, não conhecidos por mais ninguem. Mesmo os sonhos com a Ruiva e a Pantera, não ficaram de fora.
A partir daí, foi se abrindo todo um novo mundo de informações, que antes não faziam sentido. A adoração que tenho pela lua em qualquer de suas fases, pelo vento forte do lugar em que moro, pela chuva forte em dia de tempestade. Saí daquele lugar chorando e rindo, porque finalmente aceitei o que sempre fui. Uma Bruxa.
Mas a história não parou por aí. Algumas coisas ainda tinham que ser reveladas, apenas não o seriam por ela, e sim por mim mesma.
Meu marido foi, como ele gosta de dizer, "disponibilizado para o mercado de trabalho", pelo Banerj, em novembro desse ano, e só quem já passou por isso sabe o tamanho do problema. Ficamos assustados e deprimidos, mas isso tambem fez sentido depois.
Tudo nessa vida muda, pois se não mudar estagna. E se não fosse isso, eu não teria entrado para o curso de pintura, onde conheci a pessoa que, alguns meses mais tarde iria me (re) apresentar à Deusa.
Nos sonhos, as coisas estavam mais calmas, como se, agora que eu estava no caminho certo, Lillith e a Ruiva estivessem me dando espaço para fazer sozinha, minhas próprias descobertas. Eu ainda não entendia as palavras cantadas que ouvia, mas o som delas estava cada vez mais claro.
Fui convidada para um "círculo de meditação" de mulheres, mas enrolei um tempo para aceitar o convite, porque não conhecia aquela mulher direito. Porém, perto do meu aniversário, intuí que deveria experimentar. E qual não foi a minha surpresa quando encontrei as mulheres do grupo. Todas sorrindo e conversando, cada uma bonita do seu jeito, pareciam felizes e ansiosas. Minha irmã e eu não sabíamos o que esperar, sem a menor idéia do que iria acontecer.
Então, depois de sermos abençoadas e incensadas, entramos no Círculo.
Se voce já passou alguns dias viajando, sabe qual é a sensação de voltar para casa, tirar os sapatos e se jogar no seu próprio sofá, sentindo-se feliz por estar em casa, no seu Lar. Isso foi o que eu senti quando sentei naquele gramado, com um altar no meio e pedras às minhas costas. Sem nem mesmo duvidar uma vez, tive certeza de que ali era o meu lugar. Senti a felicidade me envolver, mesmo sem saber o que aconteceria naquele lugar. Finalmente estava em casa e o vazio já não existia.

Aconteceram tantas coisas naquela noite, a maior parte particularmente, mas os efeitos daquele Esbat numa sexta-feira, se estenderam por todo o fim de semana. E a partir daí, eu comecei a entender,finalmente, o que vinha sendo dito pela Ruiva, desde que ela apareceu a tantos anos. A nossa conexão tomou novo rumo e hoje posso ouvi-la falar comigo, quase o tempo todo, como se estivesse ao meu lado. Sei quem ela é e o porque da nossa ligação. Tambem descobri coisas sobre minhas vidas passadas, graças a ela. Projeção astral no tempo e no espaço não é nenhum bicho de sete cabeças, quando voce tem alguem a seu lado.

Infelizmente, Religiões são feitas por pessoas de todos os tipos, e na Wicca, isso tambem acontece. Por guerrinhas de poder, quem tem o quê e quem é melhor, um coven que eu adorava participar apesar de todos os problemas, não me era mais permitido. Então um belo dia quando em meditação, foi dito que eu teria que sair do grupo para poder crescer, não duvidei da vontade da Senhora, e em paz, num ritual especial, preparado pela Sacerdotisa do Coven, meus laços foram cortados.

Estudei e pratiquei duas Rodas completas naquele coven e saí sem ser iniciada, por vontade da Deusa, pois todas as outras neófitas o foram no final deste mesmo ano em que saí.
Passou-se outra Roda, cheia de Mistérios revelados, e a conexão com a Deusa foi ficando cada vez mais sólida. Recebi vários presentes nesse ano, inclusive uma pantera negra de pelúcia em tamanho natural. Ah, paguei em dinheiro por ela, mas o que interessa, foi como chegou às minhas mãos, aqui no "ovo de codorna" do Brasil. A dona de uma floricultura daqui, foi fazer umas compras para a loja em São Paulo, e diz ela que, nem sabe porque, deu "vontade " de trazer para vender, um "gato preto gigante", num ônibus da 1001. Eu quase nunca passo pela loja dela, pois prefiro minhas flores vivas num vaso, mas naquele dia uma amiga pediu um favor. Eu não tinha a menor intenção de seguir pela rua da floricultura, mas minha amiga insistiu. Mais uma vez, a Senhora se manifestou através de uma mulher, para que eu recebesse a mensagem. Segui as instruções da amiga, e quando passava pela loja de flores, qual não foi minha surpresa ao ver Lillith de frente para a porta, como se estivesse esperando a minha passagem. Quase gritei no meio da rua! Entrei e, depois de resolver como pagar o preço irrisório, comprei a pantera. O mais engraçado foi explicar à amiga, porque não comprei o lanche que ela pedira...rsrsrsr.
Depois da chegada da pantera (a qual meus gatos achavam estar viva, visto a etiqueta felina com que a tratavam), soube que teria que fazer uma viagem. Só que não sabia para onde nem porque, mas toda vez em que contava aos amigos sobre o meu "presente", o nome Águas Claras surgia em minha mente. Levei meses até descobrir que existia em Minas Gerais um lugarejo com este nome. E daí? Daí que a pantera foi fabricada em Minas, mais precisamente em Belo Horizonte, a treze quilômetros do tal lugarejo. Já tendo estabelecido que coincidências não existem, só me restava ir. A Deusa está chamando e eu vou dizer "não"?
Tambem tive que fazer uma tatuagem de Lillith antes de partir, e teria que ser à vista, mas sem ser agressiva, com unhas recolhidas e boca fechada. Se eu tivesse escolha, preferia pendurar uma melancia no pescoço (sou avessa a dores), mas as coisas são como devem ser.
Na mesma semana em que a tatoo ficou pronta, atendi o Chamado e fui. Não sabia nem quantos dias, nem onde iria ficar, num lugar onde não conhecia ninguem. Alguns amigos acharam temeridade da minha parte. Eu disse a eles que era um salto de fé. Sabia que não estaria sozinha, se minha Deusa, Lillith, e a Ruiva estivessem comigo. Tudo seria como tivesse que ser, para meu aprendizado e benefício.
Não sei e nem me faz falta saber como é ser iniciada num Coven ou Tradição. Tudo que sei é que foi uma jornada iniciática totalmente preparada para mim pela Deusa, onde vi, senti e presenciei Seu amor por mim. Passei pelo medo, pela morte, e renasci pelas Mãos Dela.

Fui levada a lugares e conheci pessoas que me ensinaram o que é o respeito. Não fui destratada nem uma vez por causa da tatoo ou pela religião, muito pelo contrário, as pessoas demonstram respeito pela minha firmeza de propósito e fé.
Hoje, quase quatro anos depois, vivo com meu marido e meus animais, em nossa casa, pratico meus Rituais solitariamente e sigo estudando muito, mas o melhor aprendizado tenho recebido da minha Senhora.

Não digo que sou perfeita, nem que sei tudo o que há para saber sobre Wicca, mas sei que faço parte desta Religião, porque a própria Deusa me pôs neste Caminho.
Tenho quarenta e cinco anos, sou atualmente uma dona de casa, vendedora de prata, pintora, artesã, mas principalmente, sou uma Filha da Deusa, iniciada nos Mistérios pela Senhora, uma Pagã orgulhosa, e me considero Wiccana, mesmo que isso ofenda aos Tradicionais.
Abençoados sejamos todos Naquela que É Tudo....